quarta-feira, 14 de maio de 2014

Ciclo 'Maria de Lourdes Pintasilgo em Conversa: Intervenção e Atualidade'


Ecos da primeira sessão


E num instante se passou de “É já amanhã!” para “Foi no sábado passado…”.

E, de facto, foi na tarde de sábado passado, dia 10 de maio, que demos início ao Ciclo ‘Maria de Lourdes Pintasilgo em Conversa: Intervenção e Atualidade’. 

Mas o que importa assinalar é que é a partir da tarde de sábado (bem) passado que, para as pessoas que estiveram à conversa, se foram desvelando caminhos e encruzilhadas da cidadania, da democracia e da política na sociedade portuguesa atual, pelo olhar da Maria de Lourdes Pintasilgo.

O ponto de partida para esta sessão foram 6 textos de sua autoria compilados na Antologia Para um Novo Paradigma: um mundo assente no cuidado:

·         Cuidar o futuro (pp. 127-139);
·         International movement towards democracy (pp. 165-175);
·         Inventar a democracia (pp. 197-203);
·         Ética, cidadania e política (pp. 205-217);
·         Changing values in a world in transition (pp. 397-408);
·         Pour une participation créatrice (pp. 435-439) ;
·         Des voies pour une démocratie culturelle (pp. 441-444).

Cedo se descobriu que o mote para a tarde abria portas a uma necessariamente complexa teia de outros conceitos, processos e fenómenos sem os quais cidadania, democracia e política seriam apenas palavras esvaziadas de um sentido vivenciado e refletido, conceitos abstractos desligados dos nossos sistemas concretos de vida. O que é o mesmo que dizer que as boas e consequentes conversas não podem deixar de ser como as cerejas, e esta foi!

A Liliana Lopes propôs-nos dar o primeiro passo a partir dos ecos de 2 frases de Maria de Lourdes Pintasilgo:

Estar / Ser no mundo, de forma consciente, implica necessariamente um dizer, um fazer, um fruir. (p.435)
O acesso de cada indivíduo ao real é condição estruturante e sentido de desenvolvimento de toda a democracia, caso contrário o sujeito ficará de fora da história que é instado a viver. (p.436)

A partir daqui, os trilhos que cada um/a traçou com base na sua experiência e do modo como apreende a realidade portuguesa na atualidade foram sendo partilhados, levando-nos à formulação de proposições e questões essenciais para a construção deste debate, cruzando as nossas palavras com as de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Deixámos os caminhos abertos para os podermos percorrer continuamente, e…

… e que tal darem alguns passos aqui connosco? Partilhamos os nossos itinerários de exploração, na esperança de que as próximas sessões do Ciclo MLP possam contribuir para irmos mais longe… junt@s!

-Porque é que algumas pessoas participam e outras não?
E o que significa participar?
Todas as formas de participação têm a possibilidade de ser consequentes para a mudança?

É preciso garantir a todos os cidadãos as condições que favorecem
a sua participação activa e criadora em todos os níveis do sistema cultural. (p.443)
Para nós não há, portanto, participação na vida cultural sem que o sujeito esteja capaz de intervir de forma assumida e consciente no processo global que é o sistema cultural.
«Socializar a cultura» é tornar essa possibilidade acessível à maioria. (p. 443)
Só haverá verdadeira participação das massas populares na cultura quando todos os cidadãos,
incluindo os grupos sociais mais desfavorecidos, tiverem conquistado as condições de
desenvolvimento pessoal que lhes permitam assumir-se enquanto cidadãos culturais de pleno direito. (p.444)
Sem participação dos cidadãos, a democracia torna-se cada vez mais o que um politólogo
francês, Patrick Viveret, chamava há semanas «a confiscação do poder» pela democracia. (p.135)
As pessoas eleitas estão cada vez menos conectadas com o seu eleitorado durante o exercício do seu mandato. Os eleitores sentem-se marginalizados, não levados em conta, já que as decisões são tomadas sem ter em consideração as suas posições. Um voto a cada 4 ou 5 anos torna-se irrelevante. (p.173)
A democracia representativa foi esvaziada da sua essência – a representação – e tende a tornar-se uma mera democracia formal. (p. 173)
Os mecanismos existentes não são suficientes para que as pessoas se expressem no tempo devido e a propósito das questões importantes. (p.173)


- A política está hoje submetida às lógicas impostas pelos poderes económico-financeiros
Toda?
O que é política?
É o mesmo que ação política?
Qual tem sido/deve ser o papel dos partidos?

A política é de todos e de todos os dias.
O primeiro lugar do exercício da política é o nosso próprio lugar no momento presente. (p.213)
É a pessoa humana a primeira e última finalidade de toda a decisão política.
Transformá-la num instrumento de objectivos científicos, económicos ou financeiros é quebrar o esteio da política e da cidadania que reside no carácter inviolável da dignidade humana. (p.207)
E assim o fosso entre a classe política e os cidadãos cresce a cada dia.
As pessoas já não acreditam na competência e na capacidade de concretização dos seus líderes. (p.173)
Na maioria dos países, os partidos políticos impõem uma disciplina de voto tão rígida que os deputados, em vez de representarem as posições dos seus eleitores, são, de facto, representantes das perspectivas da comissão política do seu partido. (p.173)
É preciso articular o sistema cultural, em toda a sua multiplicidade, com o
sistema complexo e diversificado de tomada de decisão política.
É preciso, já o dissemos, «reconhecer o coeficiente político de toda a acção cultural
e atribuir à acção política um conteúdo cultural». (p.441)


-A mudança só poderá acontecer a partir de uma atitude de questionamento
  O que é preciso para questionar?
E todos temos condições objetivas para questionar?

Isto implica uma mente questionadora, uma atitude dinâmica e uma capacidade para reformular continuamente o nosso próprio entendimento das coisas e as nossas convicções pessoais. (p.408)
É um facto que, em cada momento, a informação e as suas interpretações estão firmemente armazenadas e seguras, e isso permite a formulação de questões sempre que surjam novos estímulos. (p.408)
Mas quero deixar isto claro: uma mente questionadora não opera no vazio. (p.408)
Encarar a dimensão cultural de toda a vida social exige que sejamos capazes de questionar factos que se impõem como evidências, mas que não são senão mistificações partilhadas pela maioria. (p.441)


- A chave para a transformação da democracia e da cidadania é a educação.
De que educação falamos?
Onde acontece educação?
A educação pode tudo?

Ninguém tem a informação, as ferramentas necessárias para estar
à altura das situações. Assim, todos os que estão envolvidos na empresa da educação
têm que descobrir que são também aprendentes. (p.408)
Mais do que isso, a vida será percebida como um sistema de aprendizagem no qual todos
os elementos fornecem informação e ajudam cada um a formular as suas próprias questões. (p.408)
A questão essencial aqui não é de capacidade intelectual mas antes de segurança afectiva – isto permite desafiar os limiares da estabilidade, dar saltos quânticos, «surfar» as ondas da transformação social. (p.408)
[…] a educação é o processo de maturação do sujeito, a sua integração consciente numa comunidade, numa história de factos e de ideias, na língua materna e nas  línguas que estruturam o seu espírito na alteridade, condição de aceitação do outro e, no limite, de uma cultura de paz. (p.202)
O sujeito é sempre veiculado na observação do objecto. […]
Tão importante como o trabalho sobre o objecto é o trabalho do sujeito sobre si próprio. (p.214)
Assim, na cidade, o ser humano não é apenas o observador mais ou menos atento,
muitas vezes céptico e indiferente, outras vezes analista político de ocasião.
A cidade (figura da polis) é o lugar onde o ser humano emerge como sujeito.
Pela diversidade da sua actividade.
Pelo entrosamento de finalidades e meios de acção com os outros seres humanos.
Pela atenção constante aos acontecimentos.
Pela importância de que se reveste a acção, traz sempre consigo
uma forma própria de saber e de saber fazer, tornando-se assim,
na linguagem do grande pensador Paulo Freire, agente de cultura. (p.298-209)


E foi por estes caminhos que, em pouco mais de duas horas, nos aventurámos e refletimos em conjunto. Mesmo que a discussão se tenha, aparentemente, afastado da nossa referência principal, Maria de Lourdes Pintasilgo acompanhou-nos durante todo o percurso. Dos excertos acima indicados, nem todos foram lidos durante a nossa viagem de exploração democrática mas é neles que se espelham as nossas principais conclusões, das quais destacamos

 a necessidade de questionar e de construir ativamente o caminho,
 propondo a distinção entre o que é educação, socialização e cultura,
 atendendo a que cada pessoa experiencia subjetivamente condições de vida aparentemente semelhantes,
 evitando a diabolização de estruturas, como a escola, os partidos ou a mídia, espaços onde vale a pena não virar costas à luta.

Esperamos que o início do Ciclo 'Maria de Lourdes Pintasilgo em Conversa: Intervenção e Atualidade' seja precisamente isso, só um início. O início de algo maior e melhor, de um movimento capaz de fazer jus à eminente Mulher que nos tempos de hoje é tão pertinente recordar.

Sem comentários:

Enviar um comentário