Ecos da primeira sessão
E num instante se passou de “É já amanhã!” para “Foi no sábado passado…”.
E, de facto, foi na tarde de
sábado passado, dia 10 de maio, que demos início ao Ciclo ‘Maria de Lourdes
Pintasilgo em Conversa: Intervenção e Atualidade’.
Mas o que importa assinalar é que é
a partir da tarde de sábado (bem) passado que, para as pessoas que estiveram à
conversa, se foram desvelando caminhos e encruzilhadas da cidadania, da
democracia e da política na sociedade portuguesa atual, pelo olhar da Maria de
Lourdes Pintasilgo.
O ponto de partida para esta sessão foram 6 textos de sua autoria
compilados na Antologia Para um Novo
Paradigma: um mundo assente no cuidado:
·
Cuidar
o futuro (pp. 127-139);
·
International
movement towards democracy (pp. 165-175);
·
Inventar
a democracia (pp. 197-203);
·
Ética,
cidadania e política (pp. 205-217);
·
Changing
values in a world in transition (pp. 397-408);
·
Pour
une participation créatrice (pp. 435-439) ;
·
Des
voies pour une démocratie culturelle (pp. 441-444).
Cedo se descobriu que o mote para a tarde abria portas a uma
necessariamente complexa teia de outros conceitos, processos e fenómenos sem os
quais cidadania, democracia e política
seriam apenas palavras esvaziadas de um sentido vivenciado e refletido,
conceitos abstractos desligados dos nossos sistemas concretos de vida. O que é
o mesmo que dizer que as boas e consequentes conversas não podem deixar de ser
como as cerejas, e esta foi!
A Liliana Lopes propôs-nos dar o primeiro passo a partir dos ecos de 2
frases de Maria de Lourdes Pintasilgo:
Estar / Ser no mundo, de
forma consciente, implica necessariamente um dizer, um fazer, um fruir. (p.435)
O acesso de cada indivíduo
ao real é condição estruturante e sentido de desenvolvimento de toda a
democracia, caso contrário o sujeito ficará de fora da história que é instado a
viver. (p.436)
A partir daqui, os trilhos que cada um/a traçou com base na sua experiência
e do modo como apreende a realidade portuguesa na atualidade foram sendo
partilhados, levando-nos à formulação de proposições e questões essenciais para
a construção deste debate, cruzando as nossas palavras com as de Maria de
Lourdes Pintasilgo.
Deixámos os caminhos abertos para os podermos percorrer continuamente, e…
… e que tal darem alguns passos aqui connosco? Partilhamos os nossos itinerários
de exploração, na esperança de que as próximas sessões do Ciclo MLP possam
contribuir para irmos mais longe… junt@s!
-Porque é que algumas pessoas participam
e outras não?
E o que significa participar?
Todas as formas de participação têm a possibilidade
de ser consequentes para a mudança?
É
preciso garantir a todos os cidadãos as condições que favorecem
a
sua participação activa e criadora em todos os níveis do sistema cultural. (p.443)
Para nós não há, portanto, participação na vida
cultural sem que o sujeito esteja capaz de intervir de forma assumida e
consciente no processo global que é o sistema cultural.
«Socializar a cultura» é
tornar essa possibilidade acessível à maioria. (p. 443)
Só haverá verdadeira participação das massas
populares na cultura quando todos os cidadãos,
incluindo os grupos sociais mais desfavorecidos,
tiverem conquistado as condições de
desenvolvimento pessoal que
lhes permitam assumir-se enquanto cidadãos culturais de pleno direito. (p.444)
Sem
participação dos cidadãos, a democracia torna-se cada vez mais o que um
politólogo
francês,
Patrick Viveret, chamava há semanas «a confiscação do poder» pela democracia. (p.135)
As
pessoas eleitas estão cada vez menos conectadas com o seu eleitorado durante o
exercício do seu mandato. Os eleitores sentem-se marginalizados, não levados em
conta, já que as decisões são tomadas sem ter em consideração as suas posições.
Um voto a cada 4 ou 5 anos torna-se irrelevante. (p.173)
A
democracia representativa foi esvaziada da sua essência – a representação – e
tende a tornar-se uma mera democracia formal. (p. 173)
Os
mecanismos existentes não são suficientes para que as pessoas se expressem no
tempo devido e a propósito das questões importantes. (p.173)
- A política está hoje submetida
às lógicas impostas pelos poderes económico-financeiros
Toda?
O que é política?
É o mesmo que ação
política?
Qual tem sido/deve ser o papel dos partidos?
A
política é de todos e de todos os dias.
O
primeiro lugar do exercício da política é o nosso próprio lugar no momento
presente. (p.213)
É
a pessoa humana a primeira e última finalidade de toda a decisão política.
Transformá-la
num instrumento de objectivos científicos, económicos ou financeiros é quebrar
o esteio da política e da cidadania que reside no carácter inviolável da
dignidade humana. (p.207)
E
assim o fosso entre a classe política e os cidadãos cresce a cada dia.
As
pessoas já não acreditam na competência e na capacidade de concretização dos
seus líderes. (p.173)
Na
maioria dos países, os partidos políticos impõem uma disciplina de voto tão
rígida que os deputados, em vez de representarem as posições dos seus
eleitores, são, de facto, representantes das perspectivas da comissão política
do seu partido. (p.173)
É
preciso articular o sistema cultural, em toda a sua multiplicidade, com o
sistema
complexo e diversificado de tomada de decisão política.
É
preciso, já o dissemos, «reconhecer o coeficiente político de toda a acção
cultural
e
atribuir à acção política um conteúdo cultural». (p.441)
-A mudança só poderá acontecer a
partir de uma atitude de questionamento
O que é preciso para questionar?
E todos temos condições objetivas para questionar?
Isto
implica uma mente questionadora, uma atitude dinâmica e uma capacidade para
reformular continuamente o nosso próprio entendimento das coisas e as nossas
convicções pessoais.
(p.408)
É um facto que, em cada
momento, a informação e as suas interpretações estão firmemente armazenadas e
seguras, e isso permite a formulação de questões sempre que surjam novos
estímulos. (p.408)
Mas quero deixar isto claro:
uma mente questionadora não opera no vazio. (p.408)
Encarar
a dimensão cultural de toda a vida social exige que sejamos capazes de
questionar factos que se impõem como evidências, mas que não são senão
mistificações partilhadas pela maioria. (p.441)
- A chave para a transformação da
democracia e da cidadania é a educação.
De que educação
falamos?
Onde acontece educação?
A educação pode tudo?
Ninguém tem a informação, as ferramentas
necessárias para estar
à altura das situações. Assim, todos os que estão
envolvidos na empresa da educação
têm que descobrir que são
também aprendentes. (p.408)
Mais do que isso, a vida será percebida como um sistema
de aprendizagem no qual todos
os elementos fornecem
informação e ajudam cada um a formular as suas próprias questões. (p.408)
A questão essencial aqui não
é de capacidade intelectual mas antes de segurança afectiva – isto permite
desafiar os limiares da estabilidade, dar saltos quânticos, «surfar» as ondas
da transformação social.
(p.408)
[…] a educação é o processo
de maturação do sujeito, a sua integração consciente numa comunidade, numa
história de factos e de ideias, na língua materna e nas línguas que estruturam o seu espírito na
alteridade, condição de aceitação do outro e, no limite, de uma cultura de paz. (p.202)
O sujeito é sempre veiculado na observação do
objecto. […]
Tão importante como o
trabalho sobre o objecto é o trabalho do sujeito sobre si próprio. (p.214)
Assim, na cidade, o ser humano não é apenas o
observador mais ou menos atento,
muitas vezes céptico e indiferente, outras vezes
analista político de ocasião.
A cidade (figura da polis) é o lugar onde o ser
humano emerge como sujeito.
Pela diversidade da sua actividade.
Pelo entrosamento de finalidades e meios de acção
com os outros seres humanos.
Pela atenção constante aos acontecimentos.
Pela importância de que se reveste a acção, traz
sempre consigo
uma forma própria de saber e de saber fazer,
tornando-se assim,
na linguagem do grande pensador Paulo Freire, agente
de cultura. (p.298-209)
E foi por estes caminhos que, em pouco mais de duas horas, nos aventurámos
e refletimos em conjunto. Mesmo que a discussão se tenha, aparentemente,
afastado da nossa referência principal, Maria de Lourdes Pintasilgo acompanhou-nos
durante todo o percurso. Dos excertos acima indicados, nem todos foram lidos
durante a nossa viagem de exploração democrática mas é neles que se espelham as
nossas principais conclusões, das quais destacamos
a necessidade de questionar e de
construir ativamente o caminho,
propondo a distinção entre o que é educação, socialização e cultura,
atendendo a que cada pessoa experiencia subjetivamente condições de vida
aparentemente semelhantes,
evitando a diabolização de
estruturas, como a escola, os partidos ou a mídia, espaços onde vale a pena não virar costas à luta.
Esperamos que o início do Ciclo 'Maria de Lourdes Pintasilgo em Conversa: Intervenção e Atualidade' seja precisamente isso, só um início. O início de algo maior e melhor, de um movimento capaz de fazer jus à eminente Mulher que nos tempos de hoje é tão pertinente recordar.
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